Quando a fala falha mais que a voz ou Quem fala demais não atravessa o fogo, mas se queima também
- Karina Pinto
- 16 de dez.
- 2 min de leitura

No dia em que ele saiu de casa, sua mãe lhe disse que iria pedir a Deus, em oração, que iluminasse seus passos. Anos depois, o próprio filho parece ter certeza de que não precisa mais de luz: “não vai me esquecer nem mesmo assim”.
De fato, como esquecer um artista que escolhe o gerúndio do verbo prostituir para tentar reduzir o trabalho de mulheres, de forma leviana? Mesmo quando pede desculpas, não recua da ideia? Não errou a palavra. Errou o mundo em que ela caiu.
Curioso, pois em suas músicas, sempre de títulos fortes (É o Amor, Você Vai Ver, No Dia em Que Saí de Casa), era notório o abalo emocional: amor, saudade, relacionamentos, drama. Havia ali a promessa de que a dor ensina, de que a perda de chão transforma, de que o sentimento desorganiza.
Nesta semana, porém, o “se prostituindo” fez aquilo que nenhuma melodia conseguiu evitar: reduziu “as ilusões a pó”. Não as do público que o fez enriquecer, mas dele próprio.
Ao se colocar acima do debate, acima das personalidades convidadas pela direção do canal televisivo, num tom de diminuição e de suposta superioridade moral, esqueceu-se do conjunto de trabalhadores, das histórias e das escolhas editoriais envolvidas no processo. Não revelou grandeza, mas uma pequenez de quem confunde opinião com autoridade.
Um comentário que contrasta com alguém que sempre escreveu, em suas letras, sobre aprendizado pela dor, sobre o descontrole amoroso, sobre a fragilidade humana.
Chegou a afirmar que “filho que não honra pai e mãe não existe”. Acreditou, assim, que a educação herdada por essas mulheres é algo frágil, só porque elas pensam por conta própria. Não foi crítica. Foi desdém.
As irmãs pediram, por sua vez, algo cada vez mais raro e concedido às mulheres: tempo. Não precisam se preocupar. Revelaram, de forma ética e correta, que possuem o bom senso de combater a falta de diálogo. Pediram apenas que não fossem julgadas antes que seus trabalhos fossem conhecidos.
Vemos, diariamente, mulheres sendo violentadas, mortas, abusadas. E o comentário dele apenas reforça esse caráter machista estrutural que insiste em sobreviver travestido de opinião.
Ele não aparece para elogiar outra mulher que, felizmente, acordou e começou a interagir com a família após ter mais de 60% do corpo queimado, resultado do incêndio que enfrentou para salvá-los.
Ela também saiu de casa. Alucinada pelo instinto de proteção e, para alguns, até meio inconsequente, pensou no outro antes de pensar em si. Entendeu, no limite, que a vida é feita para ser vivida.
Enquanto as letras do artista falavam sobre sentir, para a advogada foi sobre agir.
Ela, diferente dele, que quis ser o centro da própria narrativa, tornou-se essencial para a sobrevivência daqueles que ama.
Essa é a forma mais radical de amor.
Sem vaidade.
Sem prostituição.
Por Ede Leite



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