Quando o negacionismo climático vira projeto político
- Karina Pinto
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Por mais que pareça inacreditável, em pleno momento em que o Pará sedia a 30ª Cúpula do Clima — um dos encontros mais importantes para discutir o futuro ambiental do planeta — cresce no Brasil um movimento para relativizar, distorcer e até ensinar o negacionismo climático como se fosse uma “visão alternativa”. Não se trata apenas de ignorância individual. Trata-se de um projeto político.
A fala recente do apresentador Ratinho, que minimizou a crise climática e afirmou que preservar a Amazônia “não adianta”, é sintomática desse ambiente, e ele não está sozinho nessa narrativa. Em Brasília, o deputado Nikolas Ferreira propõe que escolas brasileiras passem a permitir o que ele chama de “multiplicidade de ideias” sobre mudanças climáticas — um eufemismo para liberar teorias negacionistas dentro do currículo escolar. A justificativa é combater suposto “ativismo” ambiental nas aulas.
Apresentar o negacionismo climático como “ponto de vista” é como ensinar que a Terra pode ser plana porque isso também seria “pluralidade”. Mas isso não é pluralidade — é manipulação. O negacionismo climático não surge de dúvidas científicas legítimas, mas de interesses políticos e econômicos que se escondem sob o discurso da liberdade de opinião.
A ciência já fez seu trabalho, as evidências são overwhelming, como dizem os relatórios do IPCC: eventos extremos mais frequentes, elevação das temperaturas médias, oceanos mais quentes, perda acelerada de biodiversidade. A emergência é real.
Por isso causa espanto — e preocupação — que o Brasil esteja, ao mesmo tempo, tentando liderar a agenda climática global e alimentando internamente narrativas que enfraquecem essa liderança. E aqui entra a fala de Ratinho: ao reduzir a Amazônia a “1% da área terrestre”, ele tenta desqualificar a relevância do bioma para o país. Um argumento tão simplista quanto perigoso.
A Amazônia pode até não ser a “salvadora do planeta” no sentido literal, mas certamente é a infraestrutura natural mais importante do Brasil. É dela que vêm os rios voadores que alimentam as chuvas do Centro-Oeste, Sudeste e Sul. É ela que sustenta a agricultura, a recarga de aquíferos, a estabilidade das bacias hidrográficas e boa parte da energia do país. É ela que regula temperaturas, abriga biodiversidade insubstituível e mantém florestas e rios vivos.
Minimizar a importância da Amazônia é minimizar a importância do próprio Brasil
Quando um apresentador de grande audiência faz isso, ajudando a moldar a opinião pública, e um parlamentar ecoa essa lógica dentro do sistema educacional, o problema ganha escala. Porque o negacionismo climático não é só uma distorção da realidade: ele é um atraso estratégico. Ele tira do país a chance de se preparar, de se proteger e de se posicionar no mundo como um líder ambiental — algo que o Brasil poderia fazer melhor do que quase qualquer outro país.
A pergunta que fica é: quem ganha com isso?
Certamente não o agricultor do Mato Grosso que depende da chuva. Não o ribeirinho que sofre com secas históricas. Não as cidades do Sul que lidam com tornados e enchentes cada vez mais intensas. Muito menos os milhões de brasileiros que precisam de água, energia e estabilidade climática para viver.
Num momento em que o mundo volta seus olhos para o Pará, levar desinformação para dentro da escola e tratá-la como “pluralidade” é mais do que irresponsável — é um ataque ao futuro. E o futuro, como a ciência já repetiu inúmeras vezes, não espera por quem escolhe fechar os olhos.



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