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O orçamento sequestrado: quando o dinheiro público vira moeda eleitoral

  • Foto do escritor: Karina Pinto
    Karina Pinto
  • há 2 minutos
  • 3 min de leitura
Motta e Alcolumbre no Congresso: foto Agência Senado
Motta e Alcolumbre no Congresso: foto Agência Senado

O Orçamento da União deveria ser o principal instrumento de transformação social do país. É nele que se definem prioridades, se combate desigualdades históricas e se garante o mínimo de dignidade à população. Na prática, porém, o que se vê é um orçamento cada vez mais capturado por interesses parlamentares, fragmentado em milhares de emendas que pouco dialogam com planejamento, estratégia ou interesse público real.


A narrativa oficial é conhecida: parlamentares afirmam que as emendas aproximam os recursos das necessidades locais, fortalecem os municípios e garantem eficiência no gasto público. Mas a realidade exposta diariamente mostra outra face — a de um orçamento refém de currais eleitorais, de obras simbólicas e de gastos que não resistem a uma análise mínima de prioridade social.


O exemplo do pórtico construído com emenda parlamentar em um município de Roraima que decretou situação de calamidade financeira é emblemático. Em uma cidade que não consegue pagar fornecedores, manter serviços básicos ou equilibrar suas contas, recursos públicos foram destinados a uma obra de caráter meramente estético, sem qualquer impacto concreto na vida da população. O pórtico permanece de pé; a crise, também.


Outro caso que escancara a distorção é o uso de emendas parlamentares para a aquisição de armas destinadas a clubes de tiro em Santa Catarina. Enquanto faltam recursos para saúde, educação, segurança alimentar e infraestrutura básica, dinheiro público é direcionado para equipamentos que atendem a um grupo restrito, sem retorno social mensurável, mas com evidente valor político e ideológico para determinados nichos eleitorais.


Esses episódios não são exceções. São sintomas de um modelo em que bilhões de reais são pulverizados sem planejamento nacional, sem avaliação de impacto e, muitas vezes, sem transparência adequada. O resultado é um orçamento que cresce em números, mas encolhe em efetividade.


O contraste é inevitável — e incômodo. Com os mesmos R$61 bilhões de reais em recursos que serão usados em obras cosméticas ou projetos de interesse eleitoral, seria possível construir centenas de milhares de moradias populares, ampliar o acesso a creches, fortalecer o SUS, garantir ambulâncias para o SAMU em regiões desassistidas, combater a fome com programas de segurança alimentar e impulsionar pequenos negócios que realmente movimentam a economia local.


Quando parlamentares dizem que usam o dinheiro público “em benefício da população”, a pergunta que precisa ser feita é: de qual população estamos falando? Da população que ainda enfrenta filas em hospitais, insegurança alimentar e desemprego, ou de grupos específicos que garantem visibilidade política, votos e poder?

O orçamento público não pode ser tratado como prêmio de consolação, nem como ferramenta de autopromoção. Ele é — ou deveria ser — um pacto social. Cada real gasto em um pórtico inútil ou em armas de uso privado é um real que deixa de salvar vidas, gerar oportunidades e reduzir desigualdades.


Enquanto o Congresso concentra cada vez mais poder sobre o destino dos recursos públicos, sem o mesmo nível de responsabilidade e planejamento exigido do Executivo, o Brasil segue assistindo à contradição mais cruel da política fiscal: dinheiro existe, o que falta é compromisso com o interesse público.


No fim, o orçamento não revela apenas números. Ele revela escolhas. E, hoje, as escolhas feitas dizem muito mais sobre a lógica da sobrevivência e interesse político do que sobre o futuro do país.


O que seria possível fazer com R$ 61 bilhões em políticas públicas essenciais


• Habitação popular

Custo médio de uma casa popular (Minha Casa, Minha Vida – Faixa 1): R$ 130 mil

Seria possível construir:

➜ cerca de 469 mil moradias populares

Impacto direto: redução do déficit habitacional, geração de empregos na construção civil e melhoria da saúde pública.


• Ambulâncias para o SAMU

Custo médio de uma ambulância equipada: R$ 300 mil

Seria possível adquirir:

➜ mais de 200 mil ambulâncias

Impacto direto: cobertura total do SAMU em todos os municípios brasileiros, inclusive áreas rurais e remotas.


• Construção de creches públicas

Custo médio de uma creche padrão FNDE: R$ 2,5 milhões

Seria possível construir:

➜ aproximadamente 24 mil creches

Impacto direto: ampliação do acesso à educação infantil, apoio às famílias trabalhadoras e estímulo à economia local.


• Distribuição de cestas básicas

Custo médio de uma cesta básica mensal: R$ 150

Seria possível distribuir:

➜ mais de 406 milhões de cestas básicas

Ou garantir 1 cesta mensal por um ano para:

➜ cerca de 34 milhões de famílias

Impacto direto: combate à fome, segurança alimentar e redução da extrema pobreza.


• Financiamento de pequenos negócios e economia popular

Microcrédito médio por empreendedor: R$ 10 mil

Seria possível financiar:

➜ 6,1 milhões de pequenos negócios

Impacto direto: geração de renda, fortalecimento do comércio local, redução do desemprego e aumento da arrecadação.


• Unidades Básicas de Saúde (UBS)

Custo médio de uma UBS: R$ 1,8 milhão

Seria possível construir:

➜ cerca de 34 mil UBS

Impacto direto: atenção primária fortalecida, prevenção de doenças e redução da pressão sobre hospitais.

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