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O Senado é do Brasil ou de uma religião?

  • Foto do escritor: Karina Pinto
    Karina Pinto
  • há 12 minutos
  • 2 min de leitura
Jefferson Rudy/Agência Senado
Jefferson Rudy/Agência Senado

Enquanto o país enfrenta cortes em áreas essenciais, o Senado Federal encontra tempo e recursos públicos para discutir um projeto de lei que tenta proibir alterações nos textos da Bíblia. Sim, em pleno 2025, a Comissão de Educação debateu o PL 4.606/2019, de autoria do deputado Pastor Sargento Isidório (Avante-BA), que busca “manter a inviolabilidade” dos capítulos e versículos do livro sagrado do cristianismo.


Mas é preciso fazer uma pausa e refletir: por que o Congresso Nacional, sustentado por impostos pagos por católicos, evangélicos, espíritas, umbandistas, ateus e tantos outros, dedica tempo e dinheiro público a uma pauta que deveria ser discutida dentro das igrejas, e não no plenário de uma Casa Legislativa?


O Brasil é, constitucionalmente, um Estado laico — o que significa que nenhuma religião pode se sobrepor às demais nas decisões do poder público. Ainda assim, o Senado abre espaço para tratar da “pureza” de um texto religioso específico, ignorando que há centenas de outras tradições espirituais no país. Pior: enquanto senadores debatem supostas alterações bíblicas, os casos de intolerância religiosa se multiplicam, principalmente contra adeptos das religiões de matriz africana, que seguem sem proteção efetiva.


Não há, até o momento, projetos com o mesmo empenho político para combater ataques a terreiros, garantir segurança a líderes religiosos afro-brasileiros ou fortalecer o ensino plural das religiões — que também fazem parte da história e da cultura nacional. O que há, infelizmente, é um movimento crescente de uso do espaço público como palco de disputa moral e religiosa.


Quando o Senado dedica horas de audiência e estrutura institucional a discutir uma questão teológica, ele ultrapassa a fronteira entre o Estado e a fé. A Constituição não proíbe a crença, mas protege o direito de todos a crer — ou não — sem interferência política. O papel do Estado não é guardar a Bíblia, mas garantir a liberdade de culto.


É legítimo que fiéis desejem preservar seus livros sagrados. Mas é ilegítimo que isso se torne pauta legislativa com recursos do contribuinte. Num país com escolas públicas sucateadas e comunidades sem saneamento, gastar tempo e verba com debates religiosos é, no mínimo, um desrespeito à laicidade e às prioridades nacionais.


O Senado Federal é a Casa do povo — e o povo brasileiro é diverso. Não cabe ao Estado decidir o que é sagrado, mas assegurar que todos possam viver sua fé (ou sua ausência de fé) em paz.

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