Loja de Belém é multada por exploração de trabalho infantil
- Karina Pinto
- 23 de out.
- 2 min de leitura

Quando uma loja do centro de Belém é condenada a pagar R$ 50 mil por exploração de trabalho infantil, não devemos enxergar apenas um episódio punitivo: temos diante de nós um espelho das escolhas sociais e econômicas que ainda permitem — e até normalizam — a presença de crianças nas filas do serviço e do lucro alheio.
A ação do Ministério Público do Trabalho, que garantiu a interrupção da prática, foi necessária e correta. Mas a pergunta que fica é outra: quantas pessoas passaram por aquela loja antes que alguém resolvesse denunciar?
Os números nacionais ajudam a dimensionar o problema. Em 2024, cerca de 1,65 milhão de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos estavam em situação de trabalho infantil no Brasil — o equivalente a 4,3% desse grupo etário. Apesar da redução em relação a anos anteriores, o país ainda convive com uma cifra inaceitável de exploração. Desses, mais de 500 mil exerciam atividades consideradas as piores formas de trabalho infantil.
Há argumentos previsíveis quando alguém critica donos de estabelecimentos que empregam menores: “mas e as condições de pobreza da família?” ou “se ele não trabalhar, vai servir ao crime?”. A pobreza que acomete uma criança e seus familiares não dá à sociedade o direito de aceitar que, para ‘melhorar de vida’, esse menino ou menina seja explorado, privado de educação e lazer.
A condenação judicial é importante, mas não substitui um debate mais amplo. Multas e liminares — como as que o MPT costuma obter — interrompem práticas, mas não desmontam as cadeias de vulnerabilidade. É preciso exigir responsabilização do empregador e políticas públicas eficazes: educação de qualidade, transferências de renda dignas, fiscalização articulada e oportunidades reais para a juventude.
O caso revelado em Belém apresenta uma faceta alarmante: a reprodução das desigualdades. O trabalho infantil no país concentra-se com maior intensidade entre pretos e pardos, em áreas menos assistidas do Norte e Nordeste, ou entre adolescentes mais velhos que acumulam longas jornadas — fatores que retratam as linhas da exclusão intergeracional.
Permitir que crianças trabalhem é condená-las, muitas vezes, a uma escolaridade truncada e a um futuro de menor renda e oportunidades. Além disso, o custo econômico da inação é alto e visível: cada criança fora da escola e dentro de uma rotina de trabalho precoce é um prejuízo para o desenvolvimento humano e para a produtividade futura do país.
Não basta reclamar da falta de mão de obra qualificada — é preciso investir em formação, da base até o ensino técnico e superior. Não se pode cobrar qualidade profissional enquanto se olha com naturalidade para uma criança servindo no balcão ou caminhando sob o sol escaldante com produtos nas mãos.
A loja condenada em Belém pagará a conta judicial. Resta saber se, além de punir, vamos aprender algo com o episódio: fortalecer a prevenção, proteger as crianças expostas e questionar o consumo e a indiferença que tornam lucrativa a exploração infantil. Porque, enquanto isso não acontecer, continuaremos a cruzar, diariamente, com milhares de crianças cuja infância foi trocada por serviço barato — e a nos perguntar quantas passaram por uma vitrine antes que o alarme soasse.



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