Deputada sugere proposta que tenta diluir a Lei Maria da Penha
- Karina Pinto
- há 7 dias
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Em um país onde quatro mulheres são assassinadas por dia por motivo de gênero, uma proposta como a da deputada catarinense Júlia Zanatta (PL-SC) beira o absurdo. Ao defender que a Lei Maria da Penha seja estendida para proteger também homens vítimas de violência doméstica, a parlamentar ignora completamente o contexto social e histórico que deu origem a uma das legislações mais importantes da história recente brasileira.
O Brasil registrou 1.450 feminicídios em 2024, segundo dados do Ministério das Mulheres. Foram 12% a mais do que no ano anterior — um recorde lamentável. No mesmo período, 21,4 milhões de mulheres disseram ter sofrido algum tipo de violência doméstica. Em 71% dos casos, o agressor era um homem e o crime aconteceu dentro de casa. Esses números não deixam dúvidas sobre quem mais morre, quem mais apanha e quem mais teme voltar para casa.
A Lei Maria da Penha não foi criada para lidar com “brigas de casal” genéricas, mas para corrigir uma desigualdade estrutural. É um instrumento voltado a proteger mulheres de um ciclo de violência que tem raízes no machismo, na dependência econômica e no medo. Ao propor que homens sejam incluídos na mesma legislação, a deputada desconsidera esse desequilíbrio histórico — e, pior, desvirtua o propósito da lei, transformando um mecanismo de reparação em uma peça de retórica política.
O argumento da “igualdade de proteção” soa bonito, mas é falacioso. Homens vítimas de violência doméstica — que também precisam de amparo — devem ser protegidos por uma legislação específica, com suas próprias diretrizes, políticas públicas e estruturas de acolhimento. Não há justificativa técnica, jurídica ou moral para alterar uma lei que surgiu de uma tragédia — a história de Maria da Penha Maia Fernandes, que sobreviveu a duas tentativas de homicídio e lutou durante décadas por justiça — para transformá-la em um guarda-chuva genérico.
Mais grave é o fato da proposta vir justamente de uma mulher eleita por um estado, Santa Catarina, que virou notícia em rede nacional após uma mulher pedir socorro escrevendo em um pedaço de papel higiênico, e ser resgatada de uma situação de cárcere privado. Em vez de lutar pelo fortalecimento das redes de apoio, pela ampliação das casas de abrigo ou pelo cumprimento das medidas protetivas, a deputada prefere embarcar em um discurso ideológico, de setores que tentam minimizar o machismo e relativizar a violência de gênero.
O Brasil não precisa “corrigir” a Lei Maria da Penha. Precisa fazê-la funcionar plenamente. Precisa de juízes que apliquem as medidas protetivas sem burocracia, de delegacias que acolham a vítima sem duvidar de sua palavra, de campanhas que eduquem meninos e homens sobre o que é respeito.
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