A lição australiana e o impasse brasileiro sobre proteção de crianças nas redes
- Karina Pinto
- há 1 dia
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No dia 10 de dezembro, entra em vigor na Austrália uma das legislações mais rígidas do mundo no enfrentamento aos danos das redes sociais sobre crianças e adolescentes. A nova regra proíbe que menores de 16 anos mantenham contas em plataformas como Instagram, TikTok, Snapchat, YouTube e outras consideradas de risco, determinando que as empresas adotem mecanismos de verificação de idade muito mais robustos do que a velha e insuficiente autodeclaração.
Trata-se de um movimento que não surgiu do nada. O governo australiano enfrentou anos de denúncias sobre algoritmos que ampliam distúrbios alimentares, assédio, exploração sexual, acesso a conteúdo violento e vício digital entre os mais jovens. Ficou claro para as autoridades, se as empresas não conseguem ou não querem proteger as crianças, cabe ao Estado impor limites. E foi exatamente o que fizeram, com multa pesada para quem descumprir a regra.
Enquanto isso, no Brasil, o ECA Digital — sancionado em 2025 e previsto para entrar em vigor em março de 2026 — tenta estabelecer um marco de proteção semelhante. Mas a comparação revela mais diferenças do que paralelos. Aqui, ainda não se sabe sequer como será feita a aferição de idade dos usuários, ponto central da nova legislação. A Agência Nacional de Proteção de Dados será responsável por regulamentar os métodos, mas o tempo é curto e o desafio é grande.
A experiência australiana, ainda que longe de consensos e cheia de críticas internas, mostra um caminho: o de assumir que a autorregulação das big techs fracassou. Países que apostaram apenas em recomendações, guias ou promessas voluntárias assistiram ao agravamento de problemas que já não cabem no discurso do “uso responsável”. Há crianças de 9, 10, 11 anos imersas em ambientes pensados para priorizar o engajamento, não a segurança. Diminuir essa vulnerabilidade exige ação estatal, fiscalização e regras claras — pontos que o Brasil ainda corre para definir.
Mas também é verdade que copiar a Austrália não é uma opção, pelo menos, não agora. A realidade brasileira impõe desafios adicionais: desigualdade de acesso, documentação irregular, frágeis políticas de conectividade e concentração digital. Uma política rígida demais pode acabar excluindo justamente quem mais precisa de redes como forma de sociabilidade, estudo ou comunicação — especialmente jovens de periferias, áreas rurais ou regiões isoladas, onde a internet já é precária.
Ainda assim, o ECA Digital tem uma vantagem: nasce em meio a um debate global amadurecido e ciente dos erros internacionais. Se o país quiser construir uma política eficiente, terá de equilibrar três pilares: proteção, privacidade e inclusão. Nada disso será simples. Mas o que não é mais aceitável é fingir que o modelo atual funciona.
A Austrália decidiu enfrentar o problema com contundência. O Brasil pode — e precisa — aprender com essa experiência para não repetir o ciclo em que crianças seguem expostas a riscos reais enquanto disputa política, lobby corporativo e lentidão regulatória paralisam medidas urgentes.



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