Boatos que revitimizam: o perigo da desinformação em casos de violência contra a mulher
- Karina Pinto
- 5 de ago.
- 2 min de leitura

A prisão do ex-jogador de basquete Igor Eduardo Cabral, acusado de agredir brutalmente a namorada com mais de 60 socos dentro de um elevador em Natal (RN), provocou indignação pública. A cena, registrada por câmeras de segurança, revelou a dimensão da violência: golpes contínuos, fuga da vítima e a omissão de testemunhas que nada fizeram, com exceção do porteiro, que viu a imagem e acionou a polícia.
Dias após a repercussão do crime, no entanto, um novo elemento começou a circular nas redes sociais e em sites sensacionalistas: a informação de que o agressor estaria recebendo “centenas de e-mails e cartas de mulheres” depois de um suposto vídeo íntimo vazar. Nenhuma prova foi apresentada. Nenhum veículo jornalístico sério publicou reportagem confirmando esse fato. Ainda assim, o boato se espalhou — e foi o bastante para que o foco se desviasse da vítima e da violência.
Essa prática tem nome: revitimização. Trata-se da tentativa de questionar a credibilidade, o valor ou a dignidade da mulher agredida, deslocando o centro do debate para onde ele não deveria estar: no agressor. A narrativa de que um homem violento está sendo “desejado” por mulheres serve como combustível para alimentar um discurso misógino que, além de deturpar os fatos, reforça o imaginário coletivo de que mulheres “gostam de apanhar” ou “se colocam nessa posição”. É cruel, falso e perigoso.
Não é coincidência que esse tipo de rumor surja justamente em um momento em que movimentos feministas pressionam por justiça e quando a sociedade exige respostas mais firmes do Estado diante da escalada da violência de gênero. Boatos assim não são ingênuos. Eles têm função política: descredibilizar a vítima, banalizar o crime e tentar reabilitar publicamente o agressor.
Mais do que isso, refletem um fenômeno cada vez mais presente no debate público: o uso da desinformação como ferramenta de ataque a conquistas sociais. Fake news sobre mulheres, negros, indígenas e LGBTQIAPN+ têm se tornado estratégias recorrentes para bloquear avanços e reforçar estruturas opressoras.
É papel do jornalismo responsável não apenas combater esse tipo de desinformação, mas não reproduzi-la. Quando veículos dão espaço a rumores sem comprovação — com manchetes ambíguas ou sensacionalistas —, alimentam o ciclo de violência simbólica e virtual. Informar é mais do que noticiar. É também posicionar-se ao lado da verdade e da dignidade humana.
A cada mulher agredida, morta, silenciada ou desacreditada, o Brasil aprofunda uma ferida institucional. E cada boato que tenta transformar um agressor em objeto de desejo coletivo é um golpe direto nas lutas históricas das mulheres por justiça, respeito e proteção.
Que fique claro: a vítima não é responsável pela violência que sofreu. E o agressor não é herói, vítima ou celebridade. É suspeito, denunciado, preso, réu — e deve ser tratado como tal, com todos os rigores da lei.
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