PL da castração química segue agora para o Senado
Dúvidas sobre medida de punição a predadores sexuais divide opiniões e expõe falta de informações sobre rede de pedofilia no país e no mundo

A Câmara dos Deputados aprovou no último dia 12 de dezembro, o Projeto de Lei 3976/20, que cria o Cadastro Nacional de Pedófilos e autoriza a aplicação de castração química para condenados por crimes relacionados à exploração sexual de crianças e adolescentes. O texto segue agora para análise do Senado Federal.
O cadastro, que será administrado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), disponibilizará na internet informações como nomes e fotografias de condenados. Já a castração química, incluída no projeto por uma emenda do deputado Ricardo Salles (Novo-SP), prevê a administração de medicamentos que reduzem os níveis de testosterona, com o objetivo de diminuir a libido e os impulsos sexuais dos condenados.
A medida foi alvo de intensos debates no Plenário. Enquanto defensores alegam que a castração química é uma ferramenta eficaz para prevenir a reincidência em crimes sexuais, opositores questionam sua efetividade e implicações éticas. “A violência sexual não está apenas ligada ao desejo sexual, mas também ao exercício de poder. Essa medida é ineficaz para lidar com as raízes do problema”, afirmou a deputada Talíria Petrone (Psol-RJ).
Nas redes sociais o debate tem ganhado força, o público está dividido mas em uma coisa todos concordam: é preciso proteger as crianças e adolescentes das garras dos predadores sexuais. Nesse ponto, porém, surgem dúvidas reais quanto aos alvos da castração. O crime de pedofilia inclui um rol extenso que vai desde o abusador que ataca fisicamente suas vítimas, até indivíduos que comericalizam imagens pornográficas com abusos de crianças, por exemplo.
A pornografia infantojuvenil se tornou um campo lucrativo para criminosos em todo o mundo. Em fevereiro deste ano, a ONG Safernet divulgou dados alarmantes sobre a exposição de imagens de crianças na internet, com 71.867 denúncias novas, um recorde de acordo com a entidade, em 18 anos de funcionamento da Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos.
Denúncias novas ou únicas são links nunca antes reportados pelos usuários da internet à Safernet, que as pré-processa e disponibiliza ao Ministério Público Federal para análise e investigação. Os duplicados (aqueles denunciados repetidamente) são agrupados e/ou descartados para evitar duplicidade de investigações. As denúncias únicas de imagens de abuso e exploração sexual infantil em 2023 cresceram 77,13% em relação a 2022. O total de denúncias novas de violações de direitos humanos recebidas pela Safernet em 2023 cresceu 48,7% em relação ao ano anterior. (Safernet)
Os dados mostram que o problema é maior do que se imagina, o que pode tornar o projeto de castração química um novo elefante branco para o Estado administrar, e com isso, gerar uma frustração em torno de uma luta que é urgente. Ao focar no predador sexual que pratica o abuso físico, o legislador esquece de outros indivíduos tão ou mais criminosos e perigosos, e que não necessariamente praticam estupros.
A educação sexual, o combate à “cultura” do estupro e do relacionamento afetivo com menores de 14 anos, a mudança de comportamento da sociedade que aplaude um servidor público (PM) levar flores e fazer um pedido de casamento na frente de centenas de alunos em uma escola pública, para uma menina que acabou de entrar na puberdade, ou assiste passivamente um parlamentar que fala abertamente que uma deputada não merece ser estuprada porque é feia. A castração química pode ser um caminho, mas não deve ser entendida como a única solução, nem o predador sexual pode ser enxergado como o único criminoso a ser combatido nessa cadeia gigantesca que explora meninos e meninas em todo o mundo.
Estudos científicos sobre a castração química apontam resultados mistos. Pesquisas sugerem que o tratamento pode reduzir as taxas de reincidência em crimes sexuais para indivíduos com transtornos parafílicos ou compulsões sexuais. No entanto, a eficácia é limitada em casos onde os crimes não são motivados exclusivamente pelo desejo sexual. Além disso, especialistas alertam para os efeitos colaterais significativos, como depressão, perda de densidade óssea, fadiga extrema e riscos cardiovasculares.
Caso seja aprovado no Senado e sancionado, o projeto poderá colocar o Brasil entre os países que adotam medidas severas contra crimes de pedofilia. Contudo, sua efetividade dependerá de como será regulamentado e integrado a outras políticas de prevenção, como educação e suporte às vítimas. A discussão continua polarizando especialistas, parlamentares e a opinião pública, enquanto o Senado se prepara para avaliar os impactos da proposta.
Comments