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Me Too - O movimento que deu voz às mulheres vive um momento de silêncio forçado

  • Foto do escritor: Karina Pinto
    Karina Pinto
  • 9 de abr.
  • 3 min de leitura

(Sonia Kretschmar para o Washington Post) - Imagem publicada originalmente no artigo "Me Too Around the world" - The Washington Post
(Sonia Kretschmar para o Washington Post) - Imagem publicada originalmente no artigo "Me Too Around the world" - The Washington Post

O movimento Me Too, que explodiu em 2017 como uma onda global de denúncias contra abusos sexuais, deu voz a milhares de mulheres silenciadas por medo, vergonha ou pressão social. Durante anos, essa mobilização feminista rompeu barreiras, derrubou figuras poderosas e expôs o machismo estrutural presente em instituições, empresas, na política e na cultura. Mas a partir de 2024, diante de decisões judiciais controversas, da escalada da violência de gênero e do desmonte de estruturas de proteção às mulheres, uma pergunta se impõe: o Me Too está chegando ao fim?


Criado originalmente por Tarana Burke em 2006, o Me Too ganhou projeção internacional mais de uma década depois, com denúncias contra o produtor de cinema Harvey Weinstein. O que parecia ser uma iniciativa pontual virou um levante coletivo. Atrizes, jornalistas, políticas e mulheres comuns passaram a relatar publicamente situações de assédio, estupro e violência. O medo foi substituído, ainda que momentaneamente, por coragem e rede de apoio.


A sociedade se viu obrigada a ouvir. Empresas demitiram agressores. Políticos renunciaram. Leis foram revistas. O mundo, mesmo que por pouco tempo, pareceu dar passos concretos rumo à responsabilização dos agressores e à proteção das vítimas.


Passados alguns anos, os sinais de retrocesso são visíveis. Em março de 2024, o jogador de futebol Daniel Alves, condenado na Espanha por estupro, teve sua pena reduzida e recebeu o direito de responder em liberdade mediante pagamento de fiança. A decisão provocou indignação internacional, e o que veio a seguir, gerou questionamentos e uma onda de perseguição contra a vítima. Daniel teve a pena revista, e acabou inocentado por unanimidade após juízes, a maioria mulheres, concordarem com o argumento da defesa que apontou "falta de confiabilidade" no depoimento da vítima.


No Brasil, a morte da jornalista Vanessa Ricarte, em Campo Grande (MS), escancarou outra face dessa crise: a revitimização. Após denunciar o ex-companheiro por agressão, ela foi ignorada pelas autoridades, tratada com descaso por agentes de segurança e obrigada a abandonar o próprio lar, temendo pela vida. O Estado, que deveria protegê-la, falhou em todos os níveis.


Enquanto isso, políticas públicas voltadas para mulheres têm sido sistematicamente enfraquecidas. Cortes orçamentários, desmantelamento de estruturas de atendimento à mulher, perda de espaços institucionais e discursos que relativizam o machismo alimentam um cenário preocupante.


No entanto, dizer que o Me Too acabou seria subestimar a força dos movimentos sociais e a resistência das mulheres. O que talvez esteja acontecendo é uma mudança de fase: menos visibilidade midiática e mais enfrentamento cotidiano, especialmente em contextos periféricos e fora dos grandes centros de poder.


Ainda há denúncias, campanhas, redes de acolhimento, mas agora sob novas formas — muitas vezes, mais silenciosas, mais descentralizadas, mais combativas nas bases. A ausência de grandes escândalos não significa que os abusos acabaram. Pode significar apenas que estamos vivendo um novo ciclo: o da contraofensiva.


E essa contraofensiva é cruel: reverter avanços, deslegitimar denúncias, promover julgamentos morais contra vítimas e naturalizar a violência de gênero como "exagero" ou "vitimismo".

Afinal, a era Me Too chegou ao fim? A resposta pode não estar nos tribunais, nem nas manchetes, mas no cotidiano de milhares de mulheres que continuam enfrentando o machismo e a impunidade.


Se a era Me Too representou um despertar coletivo, o momento atual exige resistência contínua, reinvenção da luta e vigilância permanente. Lutar diariamente contra um sistema que atravessou gerações com o apoio de instituições religiosas, políticas, e do poder econômico, não é uma tarefa assim tão fácil. Mas, se há algo que os movimentos feministas ensinaram ao mundo, é que o silêncio imposto não apaga as vozes. Ele apenas adia o grito.

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