Em 2023, um projeto de lei sobre violência de gênero foi apresentado a cada 30 horas
Atualizado: 3 de out. de 2024

O Projeto de Lei 1065/24, de autoria da deputada Maria Arraes (Solidariedade-PE), propõe maior proteção à imagem de vítimas de crimes contra a dignidade sexual, incluindo estupro, assédio e exploração sexual. Entre as principais medidas, busca aprimorar o acolhimento e garantir a integridade física e psicológica das vítimas, principalmente mulheres e meninas.
A proposta, que ainda será analisada em caráter conclusivo pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, estabelece medidas que garantem a integridade física e psicológica da vítima. Entre as ações previstas, estão o sigilo do depoimento da vítima, a separação entre testemunha e acusado durante audiências, o sigilo automático de dados pessoais, a proibição de mencionar o nome da vítima em procedimentos públicos, além de mecanismos para distorção da voz durante depoimentos.
Durante a apresentação do projeto, Arraes destacou que muitas mulheres não denunciam esses crimes por medo de retaliações, risco de perder o emprego e vergonha. Um dos pontos de maior destaque é a previsão de que o processo tramite em segredo de justiça. Se aprovado, as medidas serão incluídas no Código de Processo Penal (CPP) e na Lei de Juizados Especiais.
Em 2023, segundo o Anuário da Segurança Pública, os casos de importunação sexual aumentaram 48,7%, com 41.371 registros. Os casos de assédio cresceram 28,5%, com 8.135 ocorrências, e os de estupro e estupro de vulnerável subiram 6,5%, totalizando 83.988 casos. Esses números alarmantes se refletem também no crescimento de 26,7% nos pedidos de medidas protetivas, com 540.245 medidas concedidas no ano.
Outro dado relevante vem de um levantamento feito pela Iniciativa Elas no Congresso, do Instituto AzMina, divulgado em 27 de setembro. Dos 502 projetos sobre direitos das meninas, mulheres e pessoas LGBTQIAP+ apresentados em 2023 na Câmara dos Deputados, 282 tratam de violência de gênero, ou seja, 56% das ações legislativas voltadas para os direitos femininos abordam a violência contra mulheres. Esses projetos sugerem medidas preventivas ou punitivas contra agressões físicas e psicológicas.
O levantamento também mostra que a violência doméstica e familiar é o tema mais debatido, presente em 117 propostas, seguido pela violência sexual, com 69 projetos, e feminicídio, com 13. Em setembro, um desses projetos foi aprovado pela Câmara dos Deputados — o que aumenta as penas para o crime de feminicídio de 12 a 30 anos para 20 a 40 anos de prisão e torna o crime autônomo, em vez de ser uma qualificadora do homicídio. O texto já foi aprovado pelo Senado e aguarda sanção presidencial.
A quantidade de projetos apresentados e o aumento dos casos de violência de gênero levantam questionamentos sobre a eficácia das medidas já aprovadas no Brasil. “Como todos sabem, o Brasil ocupa um dos lugares mais altos nos rankings mundiais sobre esse assunto, com números elevadíssimos. Sempre neste debate surgem algumas perguntas e questionamentos que são importantes como: onde a sociedade civil e o estado brasileiro estão errando no combate a esse problema? Por que o emaranhado de tantas leis penais, principalmente, e elas existem, porque nesse emaranhado não vemos um resultado prático com redução nos números de casos de violência? A punição não deveria vir acompanhada da prevenção, da conscientização? São questionamentos muito relevantes.”, destaca João Pedro Drummond.
Advogado criminal, João Pedro explica que a violência contra a mulher é complexa demais para ser tratada com rigor apenas na esfera judicial. “Na minha opinião, quando o estado edita uma lei penal, uma lei de endurecimento penal, para que acusados de pessoas processadas por esse tipo de conduta enfrentem uma punição mais rigorosa, é uma resposta válida do estado, porém não é a única resposta a ser dada. É, e frequentemente isso causa uma simplificação de uma resposta diante de um problema muito complexo. A violência contra a mulher é um problema cultural, social. Não é só um problema legislativo, penal, o que falta na lacuna que vemos na resposta do Estado está na prevenção, na conscientização.”
A punição, de acordo com o especialista, vem de forma atrasada quando a situação já aconteceu, e não há comprovação empírica da garantia que uma lei mais rigorosa necessariamente vai desencorajar as pessoas a praticarem aquela conduta. “O Brasil é um dos países com maior produção legal em matéria penal, de endurecimento penal, e os índices de criminalidade seguem aumentando. Não é a impunidade o único problema do Brasil, principalmente nesse assunto, faltam, na minha opinião, políticas públicas consistentes, efetivas e constantes de conscientização da população desde a menoridade, em todas as classes socioeconômicas, da gravidade desse problema e da necessidade de se encontrar um outro olhar para a relação com as mulheres.
O advogado criminalista João Pedro Drummond, especializado em crimes relacionados à violência de gênero, pontua que é nesse ponto que está a lacuna que o estado brasileiro não enfrenta. Há uma timidez muito grande nas medidas de natureza preventiva e educativa, o que permite que os ciclos de violência sigam se perpetuando, e novos agressores vão se formando. “Então não é só com uma lei penal, não é tornando mais rigorosa a pena para uma acusação de violência de gênero que o problema será solucionado, não podemos simplificar um problema tão complexo. Isso é uma responsabilidade de toda a sociedade civil, não só do Estado, do Congresso Nacional. Precisamos caminhar juntos para que essa mudança cultural ocorra e as mulheres possam viver de forma segura e se sentirem protegidas.”, conclui.
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