Câmara adia votação de PEC que pode proibir o aborto legal no Brasil

Após sucessivos pedidos de vista, a votação da proposta de emenda à Constituição (PEC) que busca garantir a inviolabilidade do direito à vida desde a concepção foi novamente adiada nesta quarta-feira (13). Apresentada em 2012 pelos ex-deputados Eduardo Cunha (RJ) e João Campos (GO), a proposta, na prática, pode proibir o aborto mesmo nas situações atualmente autorizadas por lei.
Embora o direito à vida já esteja previsto como inviolável na Constituição, não há uma definição clara sobre quando ele passa a valer. Atualmente, o aborto é permitido em casos de anencefalia, risco de morte para a gestante ou gravidez resultante de estupro. Contudo, a pauta tornou-se uma disputa ideológica nos últimos anos, impactando negativamente mulheres e crianças vítimas de violência sexual.
Se aprovada, a PEC proibirá o aborto em qualquer circunstância, o que pode agravar tragédias como a de uma menina de 10 anos no Piauí, que sofreu dois estupros consecutivos, em 2022 e 2023. Violentada pelo tio e por um vizinho, ela engravidou novamente após ter dado à luz com apenas 11 anos. Em ambos os casos, batalhas judiciais e interferências externas impediram que a vítima tivesse acesso ao aborto legal, situação que chegou a ser denunciada à Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Infelizmente, histórias como essa não são isoladas. Segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), entre 2021 e 2023, o Brasil registrou 164.199 casos de estupro de crianças e adolescentes de até 19 anos. Muitas vítimas sequer conseguem denunciar, seja por falta de apoio, seja pela dificuldade de acessar redes de proteção.
Um exemplo recente ocorreu em Altamira, no sudoeste do Pará, onde um homem de 56 anos foi preso nesta quinta-feira (14), acusado de estuprar sua sobrinha, portadora de deficiência intelectual severa. A denúncia só foi feita após a família perceber a gravidez da vítima. O Ministério Público acompanha o caso e pediu judicialmente a realização do aborto, mas o processo ainda não foi analisado, ressaltando a morosidade que prejudica as vítimas.
Enquanto o legislativo e o judiciário não decidem que vida proteger em casos como esses, mais crianças continuam engravidando no Brasil, vítimas de crimes brutais e da inércia das instituições. A questão central permanece: qual vida é mais urgente proteger quando meninas de 9, 10 anos enfrentam uma gravidez provocada pelo pai, tio ou vizinho?
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